Entrevista com a delegada Ana Lúcia da Costa Barros
Na semana em que vários países do mundo comemoram o Dia Internacional da Mulher, por ser uma data histórica de luta pela igualdade, o Disque Denúncia mostra que a violência contra a mulher permanece latente e dará dicas, por meio de uma especialista no assunto, de como as vítimas podem agir e denunciar.
A luta para combater a violência contra a mulher é árdua e exige um preparo especifico. Pensando nisso, entrevistamos a delegada Ana Lúcia da Costa Barros, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher, do Centro do Rio, unidade que possui a maior área territorial de atuação.
Idealizadora da campanha “Basta de violência! DEAMOR!” (trocadilho com a sigla das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher) lançada no carnaval fluminense, na Marques de Sapucaí, com um cronograma de atividades que incluem à capacitação mensal dos policiais no atendimento às mulheres, bem como ações de prevenção aos crimes contra as mulheres por meio de distribuição de material educativo em locais de grande circulação/concentração de pessoas e palestras em escolas, quartéis, empresas públicas e privadas.
Confira a entrevista na íntegra:
A senhora trabalha numa das áreas que têm maior incidência de registros de agressão contra a mulher. Quais são as dificuldades encontradas para conter este tipo de crime?
R: A DEAM-Centro é a que atende a maior área territorial no município do RJ: Zona Sul, Centro e quase a totalidade da Zona Norte, embora a atribuição para investigar seja concorrente com as Delegacias Distritais. Acredito que a maior dificuldade ainda é a expansão da informação para todos de forma a agir preventivamente e a esclarecer e encorajar as mulheres que ainda são vítimas de violência de gênero.
Observamos que as ocorrências de agressões estão sendo mais noticiadas. Isso se deve ao fato de que as mulheres agredidas têm denunciado mais seus agressores e procurado mais as delegacias?
R: Acreditamos que aumentaram as notificações e não à violência em si. Hoje as mulheres já estão mais esclarecidas e, inclusive, já procuram mais a DEAM antes da violência física.
Há um ditado que diz "em briga de marido e mulher não se mete a colher". A senhora acha importante vizinhos e parentes da vítima “meterem a colher” denunciando?
R: Costumo dizer que esse assunto é responsabilidade de todos, porque, ainda que indiretamente, com certeza, afeta à sociedade com efeitos secundários e não só a vítima e agressor. E nesse sentido, à luz da lei, alguns crimes, que são mais graves, não dependem da vontade da vítima para que sejam investigados e o responsável punido, como a lesão corporal no contexto da violência doméstica, o cárcere e o Feminicídio. Portanto, quem se omite também está aumentando a probabilidade de que uma mulher seja morta.
Sabemos que a violência contra a mulher se manifesta de uma forma crescente, ou seja, muitas vezes inicia com agressões verbais, empurrões, surras e podem até levar à morte. Qual é a hora da vítima dar um basta no ciclo de violência para que não ocorra um Feminicídio?
R: Existe uma espiral ascendente da violência, que se inicia, via de regra, com a psicológica e a moral, evolui para a patrimonial, sexual e física ... e se trata de um ciclo - tensão/ explosão/lua de mel - o que explica porque muitas das vezes a mulher demora a romper a relação abusiva em que vive e porque os vizinhos, os parentes não podem desistir de ajudar. Ninguém gosta de apanhar, de ser humilhada, mas como na fase da lua de mel o agressor diz se arrepender (e às vezes até se arrepende mesmo) ela volta para o ciclo, que só vai agravar se não houver alguma intercessão.
Pode nos dizer o que mudou na Lei com a qualificação do Feminicídio?
R: A previsão da qualificadora de Feminicídio além de gerar uma pena mais alta, serviu como forma de indexar melhor as hipóteses de homicídio de mulheres pelo simples fato de serem mulheres e, assim, auxiliar na criação de políticas públicas para o combate eficaz desse tipo de violência
O que a Lei Maria da Penha garante às vítimas de violência?
R: A Lei Maria da Penha não criou crimes, mas as formas de como será processado esse tipo de violência e com isso traz inúmeras garantias como as Medidas Protetivas de Urgência, mas o que acho muito importante é que prevê a existência coordenada de vários setores públicos e privados que geram uma REDE de atendimento às mulheres, olhando de uma forma muito mais ampla para os casos de violência doméstica, já que carregam vários fatores que só a apuração e responsabilização criminal não irá resolver.
Qual a importância de uma mulher que sofre violência denunciar?
R: A importância é desestimular esse agressor da continuidade de suas condutas, com ela e com outras mulheres e aos que tomam conhecimento da punição se sintam desestimulados também a não reproduzir conduta idêntica. Outra importância é que somente com dados qualificados estatisticamente as políticas de enfrentamento podem melhorar, então digo que essa mulher que denuncia, também está ajudando outras mulheres.
E como a senhora vê o Disque Denúncia como ferramenta para as vítimas e para auxiliar a polícia?
R: O Disque Denúncia auxilia muito na busca de um agressor foragido contra quem já existe um mandado de prisão, por exemplo, o que, certamente, diminuirá a exposição da vítima à risco de morte.
Ajuda como canal de denúncia, mais acelerado que outros canais, pois a difusão é muito rápida e ampla, o que gera mais efetividade. Minutos já são muito importantes para a preservação da vida de uma mulher que vive um ciclo de violência doméstica.
Pode deixar uma mensagem para essas mulheres que estão sofrendo hoje e precisam de ajuda?
R: O caminho para se libertar de um relacionamento abusivo do ciclo da violência doméstica não é fácil mesmo, e isso não é motivo para se envergonhar. Que elas não desistam delas, em primeiro lugar acreditem na coragem e força que têm, porque é possível. Quero que saibam que elas não estão sozinhas.